Eu prefiro nem dizer como cheguei nesse dia. O que eu sei foi que há um ano atrás, uma terça-feira a agonia e apreensão que eu sentia no meu coração quando acordei naquele dia eram latentes.
Papai já tava aguardando a porra da transferência para o Galileu já faziam uns 3 dias e nada acontecia. Quanto mais eu perguntava pro meu irmão e ele ou fazia silêncio ou me dava respostas genéricas e até mesmo demorava pra responder mais eu sentia que algo muito errado tava rolando.
Sobre o meu irmão: nem imagino o quanto ele teve que ser forte para encarar aquele dia. Como médico ele tá sempre olhando na cara da morte. Às vezes talvez ele crie esperanças que pode salvar uma pessoa, mas talvez ele soubesse que a pessoa que ele mais queria salvar não poderia. Vai saber? Só acho que ele deve ter tirado forças de onde ele nem sabia que tinha, afinal não era qualquer pessoa que ele queria fazer voltar para casa. Não sei se eu teria essa força!
Bom, eu almocei empurrando, eram mais de 14 horas naquele dia e eu sabia que alguma coisa não tava certa. Eu deitei na cama com a intensão de perguntar para meu irmão como estava a coisa da transferência. Ainda recordo minha mãe dizer: "teu irmão tá vindo ai falar contigo". Confesso que ali eu soube que o papai tinha morrido. Na minha cabeça o velho era imortal, não queria dar nunca a ele o direito de morrer, eu não tinha aprendido tudo que ele tinha pra me ensinar. Eu ainda não tinha dado a ele todas as alegrias que eu pretendia.
Não muito depois o carro chegou. Ele entrou com a minha cunhada. Sentei na poltrona da sala e ele no sofá maior. Não quero rememorar o que ele disse, vou me lembrar para sempre, mas foda-se, hoje eu não quero falar ou rememorar aquelas palavras, não por ele que precisava ser irmão e médico ali, mas porque eu sei que ele não queria estar ali me dizendo aquilo e nem eu queria ter ouvido.
Entre lágrimas e questionamentos eu fui entendendo que o papai tava morto, eu pensava que esse dia nunca ia chegar. Eu nem sabia para onde correr e a primeira pessoa que eu consegui e quis avisar foi a Eliete. Coincidência ou não, o pai dela tava completando um ano naquele dia. Acho que se não fosse ela segurar a minha mão nos dias que se seguiram eu nem sei se tinha conseguido sair da cama. Eu pensava na Lene e em como ela iria reagir, enquanto lidava com a dor dos meus tios e tias, primos e amigos que procuravam saber os detalhes quem nem eu sabia muito.
Sobre a minha irmã: Eu sou fenotípicamente parecido com meu pai, mas ele era o amor maior dela e ele tinha ela como um cristal muito preciso. Um era a paixão do outro. Mesmo no pior da pessoa dele, ela não deixou de amar ele, nem sequer sentiu raiva. Ela era a preferite dele.
"Não há nada em oculto que não venha a ser revelado" . Essa passagem bíblica é uma verdade universal absoluta! Na tentativa de não contar para a lene naquela hora, meu irmão tentou ir resolver o lance do sepultamento e já na porta do carro eis que vem a minha irmã do trabalho, cheia de esperanças. Tudo em vão. Ver a esperança dela se converter em choro, assim como a água escorre pelos dedos de quem tenta pegá-la foi um merda.
Aquele dia terminou com uma chuva leve....
O papai foi sepultado de noite, meu irmão e sua esposa e a tia Socorro estavam lá. Não teve beijo na testa, nem colocar uma roupa nele. Vaidoso, se foi usando saco preto e papel filme. Não teve risos no velório ao lembrar de causos vividos, não teve segurar o caixão num último ato de "até outro dia". Não teve nada e ficou o um vazio que um ano depois ainda anda por aqui.
Os dias que se seguiram foram de assimilação e letargia. Contrariedades sem fim: quero sair da cama? Não! Mas eu saia. Quero fazer as tarefas? Não, mas fiz todas! Como um Zumbi de George A. Romero eu segui os dias e meses depois da morte dele sem alegrias, salvo quando tinha que ir ver a minha afilhada Lara. Sobre ela falo depois. Ela é meu sol!
Com o tempo eu fui saindo da merda. Sim, meu amigos, minha família e minha namorada foram a rede de apoio que me salvou da depressão. Bati na porta, mas fui salvo. Lara e Lucas e as outras crianças que vieram depois me pareciam um último rastro de sementes de vida que o papai deixou para me lembrar que viver é isso: às vezes é morte, mas também é muita vida! Renovação!!!!
Eliete não soltou a minha mão.....
Perder o papai foi um preço muito caro para poder recuperar contato com parentes que eu sempre amei e nunca mais havia visto, Tia Eliane, Tia Lígia, Tia Elisabete, Tio Cláudio e Tio Marcos.... Curioso eu ter lembrado tanto do vovô Evanovich e da vó Joaquina no sábado antes da partida do papai. Aliás foi o vô que veio nem sonho dizer que eu não devia mais chorar que ele tava cuidando de tudo! Típico dele!
Passou um ano. Parece que foi ontem!
Então meu velho, a partir de hoje eu não quero mais lembrar desse dia com dor. Quero que o senhor fique em paz ai em cima. A sua carreira já acabou e agora o senhor goza férias, a aposentadoria que eu nunca quis te ver desfrutar, mas é o que tem para hoje! Mas quero seguir forte, não quero mais chorar, quero só honrar o teu legado, tua história e ser um pouco parecido com o homem e pai que o senhor foi. Vc diria: "não chora mais rapaz, vc é um homem"! E embora eu e o senhor venhamos a divergir sobre o que é ser um homem, a partir de hoje vou fazer isso. Ser o homem que não chora porque o senhor não precisa mais das minhas lágrimas, o senhor quer ver ação!
Então fica em paz meu velho da bujarra...
Eu sempre vou te amar!