São poucos os dias que podemos ficar assim...
Eu me lembro que antes de quando chegou aquela convocação pra você
E não tinha como você esconder de mim, pois eu vi no teu rosto
Vi o jeito trêmulo e como o papel ficou amassado...
Era um dia antes do aniversário da mamãe e eu sabia que você tinha planos
Como todos anos íamos juntos onde ela descansa e de como comíamos maças
Era a fruta que ela mais gostava...
Ficávamos a manhã toda com ela....e sentíamos saudade.
Ela se foi num Novembro de tísico
Mas ainda lembro dela dizer pra que a gente cuidasse um do outro
E como ela nos amava...
Essas lembranças debaixo desse céu de estrelas me fazem esquecer onde estou
O silêncio dos tanques e aviões ainda não voltou
Parece mesmo que todos resolveram ficar como eu e lembrar de onde eram felizes
De como eram felizes nas suas casas junto do que amam.
Estou aqui por que a convocação era para você
Mas a perna não ia te deixar fazer nada aqui
E mesmo que fossemos só nós dois
Eu precisei ir no teu lugar, por que eu não saberia viver com você nesse inferno.
Pai, a falta que você faz aqui é terrível
Mas aqui não posso correr pra me esconder no teu colo
Não posso dormir em paz
Você não está no quarto ao lado
Não tem quartos aqui....
Só esse chão frio, a lama...
E o barulho incessante de tiros, bombas e na mente a imagem daqueles que tive que matar pra poder viver.
Eu escrevo sem saber se isso vai chegar na tua mão
Eu sei que essas horas de silêncio vão ser quebradas por mais uma rajada
Mas eu fico forte
Resisto para que possa chegar logo no fim dessa loucura
Pra sentir o teu abraço
Pra ouvir você me chamar de filhote
Para eu e você sentamos na porta e rirmos na frente da fogueira
Sendo aquilo que sempre fomos...
Felizes!
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